segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Acção vs Decisão

Autora: Irina António

Diálogo em terapia:


C: “estou exausta (com lágrimas nos olhos), tenho de escolher entre duas pessoas: continuo com o meu actual namorado ou volto para o anterior. Gosto dos dois, cada um tem qualidades que aprecio, um poderá proporcionar mais estabilidade na vida, mas o outro é mais interessante e tem ideias…tenho medo de escolher e que depois algo possa correr mal”


T: “eles sabem da existência do seu conflito interno, da existência do “outro” na sua vida?”


C: “sim, eles estão a espera, estão a pressionar-me para eu tomar a decisão …”


A questão das escolhas é uma das mais frequentes nas sessões de terapia, e será que existe alguém que nunca na vida teve dúvidas sobre escolhas feitas ou a fazer?


Quero partilhar convosco algumas ideias a este propósito, até porque eu própria também algumas vezes me reconheço na frustração do célebre burro de Buridan que morreu à fome concluindo assim o seu indeterminado processo de indecisão entre um balde de água e um fardo de palha.


Vamos experimentar aliviar a questão da decisão, recorrendo ao pressuposto que nenhuma escolha pode ter o resultado “ideal”. Até porque cada escolha é pessoal e personificada e daí, precisa de ser ajustada ao contexto de vida da pessoa. Mais ainda, a situação em que esta escolha está a ser feita pode mudar amanhã. Parece-vos que agora está a ser mais fácil olhar para a situação de escolha? Ainda não….o pé continua a permanecer no travão das dúvidas. Será que a questão ali está no receio de nos responsabilizarmos pelas nossas acções?”


Parece que nem tanto assim. Porque para a maioria de nós, o mais importante não é tanto o resultado da escolha, mas sim, a aprovação dos outros. Por outras palavras, a aprovação dos outros é o resultado principal. E, se os outros não gostarem da nossa actuação? Vamos ter de explicar, justificar, conversar muito “acerca de….”. E para jogar pelo seguro preferimos abastecer de explicações-justificações com alguma antecedência. E porque é difícil prever todas as questões que os outros se vão lembrar de nos colocar, o processo da sua pesquisa pode prolongar-se até ao infinito. E ali está o segredo. Será que existe uma maneira de abreviar este processo de recolha de explicações - justificações, analisando-os antecipadamente ou compreendendo melhor o mecanismo deste astucioso “processo de tomada de decisão”? Estamos nós quase à porta da resolução deste problema de dúvidas, com tudo o que precisamos – explicação das causas da sua indecisão, justificando desta maneira perante o olhar dos que não nos compreendem.


No entanto, o que sabemos com alguma certeza é que dentro da pessoa não existe nenhum mecanismo que faz escolhas por ela, e mais ainda – assume responsabilidade por estas mesmas decisões. A única coisa que existe lá dentro é a própria pessoa.


Se vos pedir para dar uma imagem da pessoa no processo de fazer uma escolha, provavelmente surge algo do género: uma pessoa a atirar moedas ao ar, fazer esquemas e preencher com “+” e “-“, conversar longamente com um amigo, ficar num estado de reflexão quase permanente. Mas todas estas artimanhas não têm nada a ver com o próprio processo de tomada de decisão, tirando situações quando este mesmo processo transforma-se numa acção. E, muito frequentemente, estas “transformações” passam para pessoas simplesmente despercebidas.


Aqui vai um exemplo. Uma jovem mulher partilha algumas dúvidas sobre a vontade de continuar a relação com seu namorado, acrescentando que “temos de dizer a verdade um ao outro, não é, querido?” Expulsando para fora o seu “processo interno de escolha: ficar ou não ficar”, ela transforma-o em acção.


Assim, o conteúdo da sua escolha não foi sobre a continuação da relação, mas sim, sobre “partilhar ou não partilhar suas dúvidas com o namorado”. E sua próxima questão relacional não será sobre suas dúvidas da continuação da relação, mas sobre o que ela fez: consequências do dito. Claro, que o namorado pode não ligar nenhuma às “expressões da verdade” e pensar que tudo isto são pensamentos confusos da mulher emocionada e preferir ignorar e até permanecer em silêncio. Um silêncio com efeito da acção, até porque ausência de reacção também é uma escolha. Agora podemos imaginar as consequências destas acções “não evidentes”…


A tríade escolha / acção / responsabilidade andam sempre juntas. E para não complicar mais, simplesmente convido-o a fazer algo de diferente: em vez de analisar uma dinâmica interior complexa do processo de criação das suas decisões, tente fazer um prognóstico de consequências das suas acções eventuais e/ou reais. Está satisfeito com elas – então, força! A decisão está tomada…


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