segunda-feira, 24 de agosto de 2009

TERAPIA DE CASAL

(por Catarina Mexia)

Com frequência sou confrontada com o pedido de explicação daquilo que faço e vejo-me na necessidade de começar por dizer que este tipo de intervenção terapêutica, ao contrário do que muita gente pensa não se destina apenas para casais em vias de divórcio.

Em algum momento do seu percurso, todos os casais passam por dificuldades no seu relacionamento e as causas nem sempre se relacionam com fenómenos “estranhos”. Podem resultar de crises naturais do desenvolvimento da relação, de circunstâncias externas como o desemprego, doença de um familiar ou mesmo de factores de personalidade de ambos os cônjuges.

As pessoas procuram a Terapia de casal por um grande número de problemas e cada casal é diferente, mas as queixas mais frequentes incluem, a falta de comunicação, discussões constantes, necessidades emocionais que não são atendidas, problemas financeiros e conflitos com as famílias de origem. Estes são problemas presentes em quase todas as relações e o pedido de ajuda surge como o resultado do aumento da frustração e desapontamento que progressivamente se vai instalando. Outras causas, prendem-se com situações de infidelidade, sensação de perda de afecto, carinho, ou um acontecimento traumático, como por exemplo a morte de um filho.

Factores que influenciam a relação de casal:
Não é novidade se disser que o casamento, a relação a dois, constitui uma realidade complexa e desafiadora, compensadora e dolorosa. A natureza das relações acaba por ser fruto da forma como o casal lida com os diversos factores que a influenciam. Por exemplo, os casais não tradicionais (sem filhos ou com elementos do mesmo sexo) tem que se disponibilizar para ultrapassar obstáculos adicionais para que a relação funcione. A sociedade influencia a forma como os relacionamentos se vão estruturando e estes acabam por sofrer o impacto das mudanças ao nível social. Por exemplo, no contexto actual e na sociedade ocidental os casais constituem-se e vivem os seus relacionamentos esperando uma intimidade emocional e sexual intensa, igualdade de sexos e tolerância em relação à diferença. Se recuarmos algumas dezenas de anos tal seria não só impossível como estranho. Contudo, constatamos alguma contradição entre esta liberdade de escolha (os pais já não decidem por nós com quem devemos casar) e o número de divórcios e muitas vezes nos perguntamos porquê? Na realidade, as mudanças, mesmo que positivas que tem acontecido na sociedade, ocorreram a um ritmo que se tornou perturbador, na medida em que as pessoas levam tempo a integrá-las no seu modo de pensar e agir, gerando-se assim um conflito entre a tradição e a necessidade de integração face ás regras da sociedade. Se em teoria gostamos de poder ser livres e escolher o nosso companheiro em função da existência ou não de um laço amoroso, já temos dificuldade em transformar em actos o respeito pelo autodeterminismo sem nos sentirmos menos família pois afinal o modelo que ainda está fortemente enraizado nas nossas mentes diz-nos que um casal tem prazer em partilhar tudo.

Por sua vez, alterações económicas importantes na sociedade que levam ao desemprego, dificuldade de arranjar o 1º emprego, ou reformas antecipadas, exige que o casal se adapte aquilo que são desvios á normal evolução do seu ciclo de vida. Encontrar empregos adequados, casas compatíveis é difícil para os jovens, que permanecem em casa dos pais quando deveriam procurar desenvolver os seus relacionamentos. Os seus pais, podem ambicionar à sua liberdade, ou podem estar a atravessar mudanças importantes na sua vida, e tem que partilhar esses momentos num regime alargado quando era suposto voltarem a ser apenas dois. Ainda, os média promovem o consumismo e a ideia de que o casamento e a vida em família é relativamente feliz e livre de conflitos criando uma enorme pressão devido a expectativas que se revelam inatingíveis. Como resultado o stress emocional e económico acaba por cobrar a sua parte na relação.

Fases do casamento:
Cada relação é única, mas existem fases identificáveis na experiência da maioria dos casais e que normalmente se desenvolvem numa sequência. O Namoro tem como característica mais marcante o facto de constituir uma pausa na vida diária: um novo relacionamento tem tendência a fazer a pessoa sentir-se muito bem consigo e com a sua vida e qualquer problema nos parece insignificante. O tempo partilhado nesta fase é essencialmente marcado pelo bem-estar e divertimento, e sem responsabilidades comuns estabelecidas. Com o casamento ou compromisso a longo prazo começa um período de estabilização de carreiras, de objectivos e de tomada de decisões em relação a filhos. É uma época em que resolvemos assuntos ou sentimentos deixados em aberto em relações anteriores, provavelmente seguido por um período de consolidação, durante o qual saboreamos o que fomos estabelecendo como formas de relacionamento. Os anos seguintes, chamemos-lhe produtivos, caracterizam-se pelo desenvolvimento dos objectivos familiares com o aparecimento dos filhos, em que a parentalidade é geralmente um período de grande felicidade, ainda que stressante, e onde somos chamados a fazer ajustes importantes à nova forma de estar de modo a incluir os filhos, passando a ter um tempo limitado para olharmos o nosso relacionamento. Esta fase, para os casais sem filhos, ou casais do mesmo sexo, não existe o que os faz olhar para as suas relações de forma diferente e encararem um conjunto de outros desafios, nomeadamente aqueles que resultam do desvio à norma. São aqueles momentos em que os que não tem filhos começam a ver rarear o número de casais com quem podem sair para se divertir à noite, ou partilhar a casa. A meia-idade pode ser um período difícil na medida em que muitos dos objectivos foram alcançados e é chegado o momento de reavaliar prioridades e formas de estar. A entrada dos filhos na adolescência, a luta destes pela independência – ou a permanência prolongada em casa dos pais, põem, no primeiro caso o desafio do “ninho vazio”, ou seja, como conviver novamente a dois, ou pelo contrario o adiar de uma liberdade de relacionamento à muito sentida como merecida pelo casal. O envelhecimento e muitas vezes dependência dos pais trazem desafios adicionais, não só financeiros como emocionais. A reforma, pela qual muitos anseiam pode ser emocional e financeiramente difícil. A doença ou perda do parceiro tende também a acontecer por esta altura, e estes são acontecimentos marcantes pois o trabalho e a convivência diária com o outro tem um poder estruturante que providencia ás nossas vidas um sentido. Quando um deles desaparece, adaptações importantes são necessárias.

Cada uma destas fases dá origem a uma variedade de pressões e de potenciais dificuldades. Frequentemente existem variações na medida em que estas fases podem começar e/ou acabar abrupta ou gradualmente, uma fase pode interligar-se com outra, ou algumas podem nem existir. Em algumas circunstâncias, como nos casamentos em 2ª núpcias em que há filhos de relações anteriores, ocorrem alterações significativas.

Adicionalmente cada uma dos elementos do casal pode estar a atravessar vivencias individuais complexas no seu crescimento psicológico e emocional e nem sempre estas encaixam à primeira na vida de casal.

O que é a Terapia de Casal?
Antes de mais importa dizer que não existe um modelo ideal e universal para uma relação. A “boa relação” é aquela que funciona para ambos e efectivamente lhes permite alcançar os seus objectivos, individuais e de conjunto. Se tal não funciona, não significa necessariamente que o casal necessite de terapia. Todas as relações passam por momentos difíceis, e as fases de crise são também momentos privilegiados para o crescimento e introdução de novas regras de funcionamento. No entanto, um ou os dois elementos do casal podem sentir-se continuamente insatisfeitos, frustrados, incompreendidos e se não foi possível resolver os assuntos de forma aceitável para ambos, então é altura de pedir ajuda a um profissional.

A Terapia de Casal é um meio de resolver problemas e conflitos que os casais não conseguiram trabalhar de forma eficaz entre si. Envolve os dois elementos na presença de um psicoterapeuta com treino específico para conversar com eles os seus pensamentos, sentimentos, emoções, acerca da relação. O objectivo é permitir que cada um consiga um melhor entendimento de si, do seu parceiro, naquela relação, para decidirem se precisam ou querem fazer mudanças, e se assim for ajudá-los a estabelecer e a atingir objectivos. Esta forma de terapia envolve apenas o casal.

Podem discutir-se situações relacionadas com os filhos, mas sem a presença destes. Pretende-se que o casal possa desfrutar de um espaço/tempo para cuidar de si, longe das interferências dos filhos ou das famílias de origem. A Terapia que envolve pais e filhos desenrola-se de forma diferente e geralmente é conhecida por Terapia Familiar.

O papel do Terapeuta de Casal, é ouvir os intervenientes ajudando-os a identificar e clarificar áreas problema. Começa por perceber como cada um vê o problema, qual a história do relacionamento e aspectos relevantes da história com as famílias de origem para o problema do aqui e agora. Após a discussão e avaliação da situação é proposto um plano terapêutico. O terapeuta actua quase como um mediador, tentando, por exemplo clarificar mal entendidos na comunicação, promovendo novas formas de olhar para situações aparentemente sem saída.

Novas perspectivas resultam numa mudança de sentimentos e comportamentos que permitem lidar com as dificuldades criando disponibilidade para novas formas de estar, novos desafios.

Ideias

  1. Pedir ajuda não é igual a fracasso
  2. Nem sempre somos suficientemente objectivos para compreendermos as diversas alternativas que existem, se estamos dentro da relação
  3. O casal tem recursos que desconhece ou tem medo de por em pratica. O papel de um terapeuta de casal pode ser apenas o de facilitador numa situação de impasse
  4. Porque os ignoramos, os problemas não desaparecem, crescem, intensificam-se, desgastam-nos. São mais fáceis de resolver enquanto são sentidos como pequenos e existem sentimentos positivos na relação.

Catarina Mexia, Terapeuta Familiar e de Casal

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