terça-feira, 12 de outubro de 2010

Amigos de Infância


Autora : Catarina Mexia

Falar de amigos de infância é fa­lar de um laço único que resiste ao tempo e à distância. Quantas vezes não nos encontramos com amigos de infância apenas para recor­dar aventuras inconfessáveis, co­mo quando, por exemplo, cons­pirámos para ir à discoteca pregar uma partida à professora de quem não gostávamos... Passaram-se 20, 30 anos, mas, no entanto, estas me­mórias continuam tão vivas e emo­cionantes como se tivessem acon­tecido ontem.
Entre amigos de infância é fre­quente associar memórias a emo­ções fortes. Na verdade, trata-se de relações cimentadas duran­te a primeira infância, fortemen­te ancoradas na nossa memória e daí serem lembradas de forma tão intensa.
Na infância. A infância é um mo­mento privilegiado para fazer ami­gos e as nossas primeiras e verda­deiras amizades iniciam-se entre os 3 e os 6 anos de idade. Mas por que razão escolhemos os ami­gos que escolhemos? Na verdade, a selecção do nosso leque de ami­zades não é fruto do acaso. Ao ele­ger um amigo, a criança assume- se e inicia o seu processo de auto­nomização da família, com a qual não tem uma relação tão globa­lizante como a que tem com um amigo especial. No fundo, é ele o companheiro privilegiado de jo­gos e a melhor protecção para ini­ciar outras relações afectivas. Esta amizade vai enriquecer a sua visão do mundo e, muitas vezes, impri­mir a coragem necessária para ar­riscar um pouco mais na descoberta do que está à sua volta. Mas não só. Nestes relacionamentos inten­sos, as crianças testam a capacida­de de desempenhar papéis da vida de adulto, como o amor, o ciúme, a traição e o perdão. Preparam-se, assim, para enfrentar o longo pro­cesso que os aguarda de crescimen­to e interacção com os outros. O período da adolescência faz-nos valorizar ainda mais esta relação de amizade. Num momento em que muitos aspectos da nossa vida parecem ter entrado em mudança e em que as crises de crescimento são dolorosas, este amigo é uma es­pécie de porto seguro.
Quantas vezes, depois de uma discussão em família, por exem­plo, reconsiderámos a nossa posi­ção conversando, barafustando e deixando sair toda a raiva com esse amigo? O conhecimento desenvolvido ao longo dos anos permite- nos confidenciar as fantasias mais estranhas e os desejos mais pro­fundos.
Amizade ou amor? Na idade adulta é frequente elegermos o nosso amigo de infância para de­senvolver projectos profissionais, justamente por se tratar de uma pessoa em quem confiamos incon­dicionalmente. De um modo geral são experiências bem conseguidas e não é raro encontrar empresas de sucesso que começaram baseadas nesta forma de amizade.
Se o sucesso profissional é frequen­te, o mesmo não se pode dizer no que respeita a relações amorosas. O amigo de infância pode ser do se­xo oposto e a tentação de ir mais além neste relacionamento po­de acontecer. Pode mesmo pôr-se a hipótese de casamento. Ge­ralmente não funciona. À parti­da, a confiança e o conhecimento do outro seriam mais-valias para que tudo desse certo, mas a ruptu­ra que geralmente acontece advém precisamente da falta de novidade junto de alguém que conhecemos bem, muitas vezes em facetas que podemos aceitar enquanto amigos mas que temos dificuldade em in­tegrar numa vida a dois. O relacionamento amoroso tem melhor prognóstico quando é assente nu­ma boa amizade, mas uma gran­de proximidade prévia por vezes é de mais.
Alimentar a amizade. "Para além do tempo e da distância" po­deria ser um lema associado às amizades de infância, mas nem sempre o ditado se confirma. Se queremos que a amizade perdure, temos que saber alimentá-la para que consiga sobreviver a períodos de separação. Existem momentos mais ou menos longos, mais ou menos definitivos, em que o nos­so melhor amigo é posto "fora de jogo". A intensidade e especifici­dade desta relação pode ser abala­da pela complexa rede de relações que vamos estabelecendo ao longo da vida. E a promoção social é fre­quentemente a razão de uma rup­tura. A dificuldade de conjugar ou­tras amizades, a alteração de valo­res e modos de estar resultam num afastamento definitivo.
Contudo, nalguns casos esta ami­zade mantém-se clandestina, re­sistindo num espaço de intimida­de que é só nosso e que não parti­lhamos ou deixamos invadir por ninguém, nem mesmo pelo nosso companheiro. É como se fosse uma bolsa de oxigénio que nos permite retemperar forças, encontrar ou­tras formas de encarar a vida e da qual não abdicamos.
Há quanto tempo! Outra carac­terística das amizades de infância é resistirem à distância e ao tempo. Acontece perdermos o rasto do me­lhor amigo por dez anos, mas um novo encontro tem a actualidade de "como se nos tivéssemos visto ontem". Paradoxalmente, tal sig­nifica que a relação evolui. É uma relação inteligente que mantém um forte laço afectivo e nos per­mite estar próximo do outro. É suficientemente flexível e curiosa para acolhermos as diferenças do outro como ponto de interesse que vale a pena descobrir.
O aparecimento das redes sociais on-line veio reavivar muitas destas relações com velhos amigos de infância, cujo paradeiro se havia perdido, fruto não do desinteresse mas consequência das circunstâncias da vida. Muitos reencontros resultaram em ilusão outros em desilusão!

A importância de um amigo de infância e de uma rede de ami­gos tem sido demonstrada em di­versos estudos e traduz-se por me­lhor saúde física e melhor bem-es­tar psicológico. O que não é de es­tranhar, já que são estes amigos que nos dão suporte emocional, conselhos e ajuda prática, alivian­do muito o stress da nossa vida de cada dia.

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